quinta-feira, 22 de abril de 2010

SURDEZ


Ouvi um grito.
Não sabia de onde vinha.
Eram muitas as direções.
Escolhi a retaguarda.
Retrocedi.
Encolhi.
Senti ...
... e ouvi meu coração !

(...)

terça-feira, 20 de abril de 2010


ANOITECER



Viera-lhe a mente que os melhores sentimentos nasciam ao anoitecer, justamente quando todos se deitavam e já não se podia esperar mais nada daquele dia. O travesseiro era o grande reprodutor destes sentimentos benévolos que lhe eram des(p)ejados aos milhares enquanto dormia. Justamente numa dessas noites em que abortava os seus piores sentimentos, seu corpo transformara-se em uma enorme incubadora de alegria, ternura, solidariedade, amizade e talvez amor, que o arrebatavam em êxtase.

Uma vez geridos, todos os sentimentos eram cultivados em seu interior sem qualquer pudor ou necessidade se ser externado. Aquele momento era sublime. Sabia que ninguém poderia tirar-lhe aquele turbilhão de pensamentos. Ora se alternavam o estado de êxtase ora o estado de contemplação. Não sabia precisar qual era o melhor ao seu estado de espírito. Aclamou a todos com tal simplicidade que se entregara de corpo e alma ao mais inútil sentimento. Em um momento de lucidez viu-se nu e, notara que não se sentira envergonhado, pois aquela nudez revelara o gozo que se prolongou no espaço. Desejara que aquela sensação não lhe deixasse. Cada gota de suor que embebedara seu lençol o remetia novamente ao estado de contemplação. Era um círculo vicioso. Contorcia-se de prazer e permanecia imóvel com os pensamentos que lhe atordoavam

Não muitas vezes ao por do sol, sentia remorso. Seu dorso nu o envergonhava de tal modo que se recusava a olhar no espelho. Sem dúvida alguma era escravo de seus sentimentos que percorria todo o seu corpo, mas sabia que pela manhã, as disposições sensoriais o deixavam e lhe restava apenas o peso que carregaria durante o dia. Esperava ansiosamente pelo anoitecer, cercando-se em seu mundo que já não tinha o que compartilhar com mais ninguém durante os dias que se seguiam, passando assim o resto de sua vida insólita. A sorte por fim o socorrera ao ter feito a morte arrebatar-lhe a vida enquanto dormia. Foi-se nu munido de alguns sentimentos que o seguiram até o completo fechar de seus olhos que paralisaram sua pupilas enquanto se contorcia de novo prazer.
...