terça-feira, 19 de outubro de 2010

Olhares

Ainda que possível me desvencilhar de seu olhar sempre me senti nu. Naquele dia você me despiu e jamais me cobriu com uma pele qualquer. Estranha sensação que este seu olhar me causa. Desisti de me cobrir. Optei por cerrar seus olhos. Olhar despido. Incrédulo. Estúpido.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

RETALHOS


Todo o meu corpo dói ...
Cansei de costurar os retalhos recortados ao longo destes anos
Preciso ser renovado
Pano novo em tecido velho, repuxa
Deixei de pregá-los para que este couro reviva
Esta exposição me deixa vulnerável
Mostrá-lo me parece ser outra pessoa ...
Mas na verdade, esse foi sempre eu
Difícil acreditar que minha essência foi tão bem escondida
Os tecidos coloridos fizeram bem o seu papel
Agora sinto-os despregando
Não sei se a dor é do desprendimento ou da nova pele que se aviva
Só sei que dói

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Q = m . L

Senti seus olhos me seguindo
Amendoados
Atormentados
Ávidos pelo que eu não podia dar

Senti seu coração pulsando
Acelerado
Ritmado
Alucinado pelo que ainda está por vir

Senti sua mão me esquentando
Inquieta
Esperta
Ardente por me tocar
...

segunda-feira, 21 de junho de 2010

EU NÃO SONHEI, SONHEI !

Ele oscilava entre o sonho e a razão. Não que o sonho não tivesse razão, mas eram mundos diferentes e que raramente se encontravam. Todos os seus atos foram pensados. Tinha medo de perder o controle da situação. Inventara aquele modo de vida. Não era feliz ! A felicidade era abundante no mundo dos sonhos. Mas mesmo assim ele a temia. Não saber ser feliz era o que ele mais sabia fazer. Fugia dos sonhos e da felicidade. Procurava encontrar o equilíbrio mas a razão sempre falava mais alto. Quando achou que estava insuportável viver daquele jeito tentou aniquilar os seus sonhos. Mas eles não o deixaram. Pelo contrário, passaram a se fazer cada vez mais freqüentes. Já não era necessário mais fechar os olhos para sonhar. Eles aconteciam a todo momento. Foi neste instante que ele perdera a razão de toda a sua existência. A partir daí passou a viver sonhando. Muitos diziam que ele era feliz. Outros diziam que era louco. Já não se importava com a sua razão. Já não se importava com os seus sonhos. Perdeu a noção do tempo, do espaço, da realidade. Apenas sonhou feliz. Não pensou. Viveu. Até o fim. Como uma árvore. Que morre em pé.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

REGOZIJO

O espelho revelou sua aparência, pálida.
Meu beijo corou sua face, serena.
Uma voz silenciou o instante, doce.
O tremor invadiu o meu ser, delírio.

Não houve palavra sobre palavra.
Tudo era pele.
Carne sobre carne.
Desejo. Insano. Gozo.
Dejetos de nossas almas.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Até o mundo acabar ...


Ouvi tua voz. Limpa. Clara. Tão suave.
Me deixei levar feito uma correnteza de um rio. Limpo. Claro. Nem tão suave.
Pensamento ao vento sob o luar de uma noite de outono.
Você me aquecia ao mesmo tempo em que me conduzia.
Sem destino.
Estava inerte à sua voz e mergulhado em seu discurso.
Meu mundo era seu, tais quais meus sentimentos.
O mundo podia acabar, enfim !

(...)

segunda-feira, 14 de junho de 2010

AMO-TE
Te negar é me negar
Te encontrar é me perder
Te ter é não me ter
Te desejar é me aniquilar

Te culpar é me absolver
Te entreter é me entediar
Te submeter é me aprisionar
Te livrar é me condenar

Desejo-te
Nego-te
Culpo-te
Amo-te

(...)

segunda-feira, 7 de junho de 2010

SECO
Te vi com um olhar seco. Por pouco não tropecei na amargura do seu coração. Percebi que não era o meu olhar que lhe tirava a vida e sim o seu escudo que ofuscava minha visão. Lembrei-me do agreste e vislumbrei em seu ventre aquela paisagem. Árido por natureza. Quebrantou o que de mais puro habitava em mim. Meu olhar inocente foi desviado para o caminho sem volta que se desenhava a minha frente. Ousei segui-lo com a indiferença de sua existência que ainda estava impregnada em minha mente. Não olhei pra trás, mas senti-o chorando. È certo que suas lágrimas eram secas. Não tocavam o chão. Imaginei a dor que poderia sentir, mas lembrei-me que seu egoísmo não lhe permitia sentir dor. Descobri a sua força ao constatar sua imunidade ao sentimento. Neste momento o invejei ao mesmo tempo em que me esforcei para não ceder a tentação de te acolher novamente. Foi difícil. Me desvencilhei daquela cena. Respirei. Levantei e corri até meus pés não mais agüentarem suportar a dor. Invejei-o novamente. Não era a dor dos pés e sim do coração que pulsava em descompasso com os pensamentos que insistiam em me atormentar naquele instante. O vi novamente deitado em posição fetal, nu e reluzente feito prata. Era desesperador vê-lo e não tocá-lo. Precisava voltar e te levantar. Não suportava a sensação em deixá-lo pra trás caído feito um derrotado, mas por outro lado nunca me senti tão livre e confiante. Precisava acertar os meus passos, os meus pensamentos e ajustar minhas batidas cardíacas. Recompus-me. Enxuguei a única lágrima que insistiu rolar em minha fronte. Constatei que a estrada não se acabava, mas sua presença morria a cada passo dado. Insisti em passadas mais largas para que você não se recuperasse e seguisse em minha direção. Não suportava a sensação de ter que encará-lo novamente. Aos poucos fui apagando as marcas que você deixou em mim. Percebi que ao apagar a ultima marca o caminho chegou ao fim, tal qual o rio amarelo na China. Não tive outra opção. Sentei e ali fiquei e acabei-me morto de mim mesmo.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

SURDEZ


Ouvi um grito.
Não sabia de onde vinha.
Eram muitas as direções.
Escolhi a retaguarda.
Retrocedi.
Encolhi.
Senti ...
... e ouvi meu coração !

(...)

terça-feira, 20 de abril de 2010


ANOITECER



Viera-lhe a mente que os melhores sentimentos nasciam ao anoitecer, justamente quando todos se deitavam e já não se podia esperar mais nada daquele dia. O travesseiro era o grande reprodutor destes sentimentos benévolos que lhe eram des(p)ejados aos milhares enquanto dormia. Justamente numa dessas noites em que abortava os seus piores sentimentos, seu corpo transformara-se em uma enorme incubadora de alegria, ternura, solidariedade, amizade e talvez amor, que o arrebatavam em êxtase.

Uma vez geridos, todos os sentimentos eram cultivados em seu interior sem qualquer pudor ou necessidade se ser externado. Aquele momento era sublime. Sabia que ninguém poderia tirar-lhe aquele turbilhão de pensamentos. Ora se alternavam o estado de êxtase ora o estado de contemplação. Não sabia precisar qual era o melhor ao seu estado de espírito. Aclamou a todos com tal simplicidade que se entregara de corpo e alma ao mais inútil sentimento. Em um momento de lucidez viu-se nu e, notara que não se sentira envergonhado, pois aquela nudez revelara o gozo que se prolongou no espaço. Desejara que aquela sensação não lhe deixasse. Cada gota de suor que embebedara seu lençol o remetia novamente ao estado de contemplação. Era um círculo vicioso. Contorcia-se de prazer e permanecia imóvel com os pensamentos que lhe atordoavam

Não muitas vezes ao por do sol, sentia remorso. Seu dorso nu o envergonhava de tal modo que se recusava a olhar no espelho. Sem dúvida alguma era escravo de seus sentimentos que percorria todo o seu corpo, mas sabia que pela manhã, as disposições sensoriais o deixavam e lhe restava apenas o peso que carregaria durante o dia. Esperava ansiosamente pelo anoitecer, cercando-se em seu mundo que já não tinha o que compartilhar com mais ninguém durante os dias que se seguiam, passando assim o resto de sua vida insólita. A sorte por fim o socorrera ao ter feito a morte arrebatar-lhe a vida enquanto dormia. Foi-se nu munido de alguns sentimentos que o seguiram até o completo fechar de seus olhos que paralisaram sua pupilas enquanto se contorcia de novo prazer.
...

terça-feira, 23 de março de 2010


tsc tsc tsc tsc tsc

to grávida !
... pausa

isso passa ?
... nova pausa

acho que em nove meses.
... refletiu ...
acho que posso esperar.

... longa pausa

não estarei mais aqui ...

é melhor eu ir antes que ele chegue
... puta que pariu
é meu ?

não, é meu.

melhor assim.
(...)

segunda-feira, 15 de março de 2010

SEI LÁ ...

Amar por amar. De tão estático que esse amor não podia se sustentar. O amor não tem que ter um motivo ou uma base de sustentação. Mas tem que ter uma espinha dorsal onde possa fluir todo sentimento capaz de mantê-lo vivo. As vezes essa fluidez se torna prejudicada. Como se faltasse um pouco mais de oxigênio nessa espinha dorsal. Mesmo que o caminho estivesse dilatado é como se os componentes não se misturavam. Não davam liga a sustentação. O fluxo se tornava comum. Sem complicadores, mas também sem animadores. Amar por amar. Só isso.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

ELA ERA

A clara manhã tingiu de dourado aquele singelo olhar que a vida parara.
O odor de suas entranhas revelava a natureza da intensa noite que passara.
Tiveras uma vez motivo para se sentir assim.
Mas tanto tempo se passara que a espera pelo dourado em sua face amarelara.
Mera quimera.
Também pudera, como aquela primavera de cinqüenta e sete onde tudo começara.
Era mais ou menos assim.
A casa grande e ensolarada permanecia fechada na alvorada.
Abria-se a noite.
Sua distração era a janela que de tão amarela escondia o dia que buscava o sorriso dela.
Deixara uma vez o raio dourado entrar pelo átrio do casarão que de imediato atingiu-lhe o coração.
Dissera que o fruto gerado desta labuta era filho da puta. Literalmente.
De nada adiantara aquela face dourada pois no final da noite sempre sabia que não era dela.
A única certeza que ela tivera era quem ela era.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Quem me chamou
Quem vai querer voltar pro ninho
Redescobrir, seu lugar ...

(...)

A arte de sorrir cada vez que o mundo diz não *






* Brincar de viver - Maria Bethânia

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

ETINOMIA DO HOMÔNIMO

Primeiras horas de uma manhã de outubro. A espessa nuvem carregada de orvalho, aos poucos cedia o seu lugar ao sol que timidamente cintilava o raiar do dia. O cheiro de terra molhada inebriava os narizes daqueles que, contrariando o desejo em ficar na cama, se levantavam para mais um dia de labuta. A calça verde desbotada, alinhada a camisa branca com listras cinzas, estavam impecáveis. O mesmo se dizia do sapato preto devidamente encerado na noite anterior, que arrematava aquela vestimenta com o cinto de couro largo e fivela dourada com a inscrição da letra: “A”.

Antonio era o seu nome. Não por acaso, mas porque ele era o oitavo filho homem de uma família, que tradicionalmente empregava este nome neste acontecimento. Tal fato o enchia de orgulho, pois o respeito e admiração de todos os demais integrantes da família, por vezes o envaidecia. Também era natural que alguns o invejavam, mas isso não o abatia. Fazia questão de exibir a inicial em seu cinto como se o mesmo fosse um brasão indicando que aquele era o oitavo filho homem da família Silva.

Antonio da Silva. Quantos homônimos existiam ? Centenas ? Talvez milhares de Antonio da Silva, mas um só era tão especial. Um só com estirpe de Orelans e Bragança. Existia algo naquele Antonio da Silva que chamava a atenção de todos. Sua auto confiança era inabalável. Sua apresentação pessoal era impecável. A barba sempre feita, a camisa sempre muito bem passada e os sapatos lustravam mais que qualquer marchetaria.

Antonio da Silva seguia feliz sua vida. Não se intimidava com os cães que ladravam pelo seu caminho. A serenidade estava sempre estampada em sua face. Carregava sua marmita como se ela fosse o melhor dos banquetes. Caminhava a passos largos, porém fortes, na saída da favela. Finalmente chegara ao asfalto e de repente ouviu-se um barulho estridente, pessoas correndo, gritos de mulheres, choros de criança, latido de cachorro e muita poeira que quase lhe cegaram as vistas. Ouviu outro barulho e de repente se deu conta de que se tratava de disparos de arma de fogo. Não teve tempo para pensar, deu as costas ao asfalto e pôs-se a correr junto àquela multidão afoita rumo ao interior da favela. Péssima idéia.

Na segunda passada, sentiu um forte zumbido em seu ouvido. Suas pernas cambalearam e o levaram ao chão. O tiro fora certeiro. Foi incapaz de reagir àquela situação. Pela primeira vez em sua vida, sentira o seu gosto amargo. Conseguiu olhar para o seu cinto e lembrou que por ele, todos o reconheceriam. Tentou tirá-lo para exibi-lo, mas foi impedido por outro disparo que lhe perfurou o coração. Sentiu um ardor em seu peito e antes que pudesse fechar os seus olhos, uma lágrima escorregou por sua fronte. Ficou imóvel. As vozes ao redor e todo aquele barulho começava a silenciar. Estranhamente não sentiu frio, apenas um silêncio profundo na escuridão daquela manhã primaveril.

Seu cinto se perdeu juntamente com seus pertences no Instituto Médico Legal. Ninguém esteve lá para reconhecê-lo. Na favela não se fez luto. Não houve velório. Nem mesmo um caixão decente. Morreu sem a menor dignidade pela força policial que o confundira com outro Antonio da Silva, um homônimo certamente. Fora enterrado numa vala comum, juntamente com outras centenas de Antonio da Silva.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

NU

Cerrou o lábio inferior,
Meneou a cabeça,
Franziu o cenho,
... salivou

Antecipou o gozo
... engoliu

Furtou o silêncio
... refletiu

Levantou, se lavou, se vestiu,
Sem dizer qualquer palavra se retirou
Nu, ainda que vestido.